A Cannabis Sativa é uma planta com histórico de uso medicinal, industrial e recreativo. Ao longo das últimas décadas, a concentração dos principais canabinóides – como o THC (tetrahidrocanabinol) e o CBD (canabidiol) – evoluiu de maneira significativa, impulsionada por avanços na genética, biotecnologia e nas práticas de cultivo. Neste artigo, exploramos como esses fatores influenciaram o teor de canabinóides na planta, com implicações para o uso terapêutico e a pesquisa científica. Também destacamos países onde jardineiros e cultivadores tiveram papel fundamental na variabilidade genética das espécies, bem como as principais strains desenvolvidas em cada região.
1. A Cannabis Tradicional e as Primeiras Concentrações de Canabinoides
Nas décadas de 1960 e 1970, as plantas de Cannabis Sativa tinham concentrações de THC significativamente mais baixas do que as observadas hoje. Nessa época, o teor médio de THC era de aproximadamente 1 a 3%. As práticas de cultivo eram menos controladas, resultando em plantas que apresentavam um equilíbrio entre THC e CBD, com concentrações deste último sendo muito mais altas em relação aos padrões modernos. Estudos indicam que a baixa concentração de THC pode ser explicada tanto pela seleção natural quanto pela ausência de técnicas avançadas de cultivo, que mais tarde seriam utilizadas para intensificar a produção desse composto (ElSohly et al., 2016).
2. A Influência de Cultivadores e Jardineiros na Variabilidade Genética
Durante os anos 1980 e 1990, jardineiros e cultivadores em países como Holanda, Canadá e Estados Unidos desempenharam um papel crucial na modificação genética das plantas de Cannabis. Eles selecionaram e cruzaram diversas linhagens, criando strains que maximizaram a produção de canabinoides e promoveram o desenvolvimento de novas combinações de THC e CBD (Clarke & Merlin, 2016).
2.1 Holanda – Skunk#1 e Northern Lights
Na Holanda, os cultivadores se concentraram em strains como Skunk#1 e Northern Lights. A Skunk#1, uma linhagem estável resultante do cruzamento entre variedades de Cannabis afegã, mexicana e colombiana, foi amplamente cultivada em estufas em Amsterdã. Northern Lights, com genética predominantemente índica, foi aprimorada por jardineiros holandeses, resultando em uma planta com alto teor de THC e resistência a pragas (Potter et al., 2008).
2.2 Canadá – Finola e God Bud
No Canadá, os jardineiros desenvolveram strains como Finola, rica em CBD e utilizada para fins industriais e medicinais. Outra linhagem famosa, God Bud, conhecida pelo alto teor de THC, é popular tanto entre usuários recreativos quanto terapêuticos, devido aos seus efeitos calmantes e de alívio da dor (Clarke & Merlin, 2016).
2.3 Estados Unidos – OG Kush e Blue Dream
Nos Estados Unidos, especialmente na Califórnia, cultivadores cruzaram linhagens asiáticas com variedades locais para criar híbridos como OG Kush e Blue Dream. A OG Kush se tornou famosa pelo altíssimo teor de THC, chegando a ultrapassar 20%. Blue Dream, uma híbrida de Blueberry e Haze, combina níveis elevados de THC com efeitos equilibrados e é amplamente utilizada para fins medicinais (Russo, 2011).
3. A Intensificação do THC a Partir dos Anos 1980
Com o aumento da popularidade do uso recreativo e medicinal da Cannabis nos anos 1980, os cultivadores começaram a focar na seleção de plantas com teores mais elevados de THC. Isso resultou em uma duplicação da concentração desse canabinoide em comparação com as décadas anteriores. Na década de 1990, o THC já alcançava concentrações entre 5% e 10% nas plantas voltadas para o mercado recreativo (Potter et al., 2008).
Além do THC e do CBD, outros canabinoides têm sido descobertos e estudados devido ao seu potencial medicinal. Entre eles, destacam-se:
CBG (Cannabigerol):
O CBG é o precursor químico do THC e do CBD e tem mostrado potencial terapêutico para o tratamento de glaucoma, inflamações e doenças neurodegenerativas (Borrelli et al., 2013). Presente em strains como Jack Frost e White CBG.
CBC (Cannabicromeno)
Com propriedades anti-inflamatórias, analgésicas e antidepressivas, o CBC também amplifica os efeitos terapêuticos de outros canabinoides (Izzo et al., 2009). Linhagens como Three Kings e Mango Haze possuem concentrações de CBC.
THCV (Tetrahidrocanabivarina):
Propriedades psicoativas semelhantes ao THC, porém em menor intensidade. O THCV é promissor no tratamento de diabetes e na regulação do apetite (Pertwee, 2008). Encontrado em Doug’s Varin e Pineapple Purps.
CBN (Canabinol)
CBN é formado pela degradação do THC e tem propriedades sedativas, sendo útil para insônia e dor (Turner et al., 1980). Presente em strains como Aged Kush e Durban Poison.
CBDV (Canabidivarina)
Estruturalmente semelhante ao CBD, o CBDV é estudado para tratar epilepsia e convulsões (Hill et al., 2012). Encontrado em Euphoria e Royal CBDV.
4. A Redução do CBD e o Foco no THC
Com a crescente demanda por linhagens ricas em THC, os níveis de CBD nas plantas começaram a declinar. O CBD, que compete com o THC no processo de síntese da planta, foi frequentemente negligenciado em cultivos voltados para a produção de THC. Essa diminuição é significativa do ponto de vista medicinal, já que o CBD possui propriedades antipsicóticas que podem atenuar os impactos do THC. Este desequilíbrio entre THC e CBD destaca uma das marcas da seleção moderna de Cannabis (Small, 2016).
5. A Biotecnologia e a Manipulação Genética na Produção de Canabinoides
Nas últimas décadas, o avanço da biotecnologia permitiu o desenvolvimento de plantas geneticamente modificadas com perfis de canabinóides ajustados. Esses métodos têm possibilitado a produção de plantas que maximizam a concentração de compostos específicos, como THC ou CBD, dependendo das aplicações terapêuticas desejadas (Jones & Brown, 2021).
6. Concentrações Atuais de Canabinoides
Atualmente, as plantas de Cannabis podem atingir concentrações de THC superiores a 20-30%, números muito maiores do que os registrados em décadas anteriores. Enquanto isso, o CBD está sendo reintroduzido em cultivos voltados para o uso medicinal, já que suas propriedades não psicoativas e anti-inflamatórias têm ganhado relevância no tratamento de várias condições. O desenvolvimento de plantas que equilibram THC e CBD reflete uma demanda crescente por produtos de Cannabis com perfis terapêuticos específicos (Russo, 2011).
Conclusão
A evolução das concentrações de canabinoides nas plantas de Cannabis Sativa foi impulsionada por avanços na genética, técnicas de cultivo e biotecnologia, com o papel decisivo de cultivadores ao longo das décadas. Hoje, a planta oferece perfis complexos de compostos terapêuticos que atendem às demandas da medicina moderna e do uso recreativo controlado.
Referências Bibliográficas
ElSohly, M. A., Radwan, M. M., Gul, W., Chandra, S., & Galal, A. (2016). Phytochemistry of Cannabis sativa L. Progress in the Chemistry of Organic Natural Products, 103, 1-36
Disponível em: https://link.springer.com/chapter/10.1007/978-3-319-20825-1_1Clarke, R. C., & Merlin, M. D. (2016). Cannabis: Evolution and Ethnobotany
Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/280324485Potter, D. J., Clark, P., & Brown, M. B. (2008). Potency of Δ9‐THC and Other Cannabinoids in Cannabis in England in 2005: Implications for Psychoactivity and Pharmacology. Addiction, 103(1), 1484–1492
Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1080/09652140802237646Russo, E. B. (2011). Taming THC: Potential Cannabis Synergy and Phytocannabinoid-Terpenoid Entourage Effects. British Journal of Pharmacology, 163(7), 1344-1364
Disponível em: https://bpspubs.onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/j.1476-5381.2011.01238.xBorrelli, F., Fasolino, I., Romano, B., et al. (2013). Beneficial effect of the non-psychotropic plant cannabinoid cannabigerol on experimental inflammatory bowel disease. Journal of Clinical Investigation, 123(5), 2332-2344
Disponível em: https://www.jci.org/articles/view/65727Izzo, A. A., Borrelli, F., Capasso, R., et al. (2009). Non-psychotropic plant cannabinoids: New therapeutic opportunities from an ancient herb. Trends in Pharmacological Sciences, 30(10), 515-527
Disponível em: https://www.cell.com/trends/pharmacological-sciences/fulltext/S0165-6147(09)00190-0Pertwee, R. G. (2008). The Diverse CB1 and CB2 Receptor Pharmacology of Three Plant Cannabinoids: Δ9‐tetrahydrocannabinol, Cannabidiol and Δ9‐tetrahydrocannabivarin. British Journal of Pharmacology, 153(2), 199-215
Disponível em: https://bpspubs.onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1038/sj.bjp.0707466Small, E. (2016). Cannabis: A Complete Guide. CRC Press
Disponível para compra em: https://www.routledge.com/Cannabis-A-Complete-Guide/Small/p/book/9781439896888